SPACs: um caminho diferente para o mercado de capitais

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Special Purpose Acquisition Companies (SPACs) é uma sigla que significa Companhias com Propósito Específico de Aquisição em português. O termo define uma prática do mercado de capitais para investir em empresas visando torná-las uma sociedade aberta. O instrumento é uma alternativa ao IPO para uma maneira mais rápida de crescimento.  

A Harvard Business Review afirma que 247 negócios se tornaram sociedades de capital aberto nos Estados Unidos como SPACs em 2020. Já no primeiro trimestre de 2021, foram 295. Os números comprovam que essa modalidade representa mais de 50% das novas empresas americanas de capital aberto.

A tendência das SPACs e sua alta movimentação financeira atraem a atenção do mundo, inclusive do Brasil. Conheça mais detalhes sobre as companhias com propósito específico de aquisição e como os mecanismos brasileiros de regulação do mercado de capitais estão se manifestando.

Como surgiram as SPACs?

As SPACs surgiram nos Estados Unidos na década de 1980. Elas eram conhecidas como “empresas de cheques em branco” e no passado foram associadas a operações malsucedidas e até mesmo fraudulentas.

A comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC), reformulou e endureceu as regulamentações nas últimas duas décadas, oferecendo mais proteção ao investidor.

As SPACs voltaram a chamar atenção  a partir de 2015, devido às regras mais rígidas e à flexibilidade aos riscos de alguns perfis de investidores.

Mas como elas funcionam?

Empreendedores, grandes investidores e até mesmo pessoas famosas abrem uma SPAC e a levam ao mercado acionário por um IPO regular. Esse processo deixa claro que seu propósito é fundir-se com outra empresa, elevando o status da incorporada à capital aberto.

O IPO costuma ter sua abertura de capital aprovada, visto que não há histórico para auditar. Neste contexto, outros investidores com alto apetite ao risco também podem comprar ações esperando a valorização do negócio.

Após o IPO, a SPAC passa a buscar empresas que queiram abrir o capital e possam ter uma promessa de crescimento rápido. Um sponsor, ou patrocinador em português, com expertise em determinado setor é o responsável pela prospecção de empresas.

O prazo nos Estados Unidos é de dois anos para encontrar as empresas e utilizar os recursos captados, mediante aprovação dos acionistas. Do contrário, o valor é devolvido aos investidores.

A regulamentação atual americana prevê que o dinheiro dos investidores esteja em uma conta durante o período de prospecção de oportunidades. Isso traz segurança e desmistifica a expressão “empresas de cheque em branco”.

Quais são as vantagens das SPACs?

As SPACs concedem o status de companhias de capital aberto na bolsa de valores às empresas que as adquirem, de uma forma menos onerosa, burocrática e mais ágil do que um IPO. 

A reportagem da Harvard Business Review explica que “todo o processo da SPAC pode levar de três a cinco meses, com a avaliação definida no primeiro mês, enquanto os IPOs tradicionais costumam levar de nove a 12 meses, com pouca certeza sobre a avaliação e o montante de capital levantado até o fim do processo”.

Ainda segundo a matéria, um IPO convencional deve manter a subscrição de ações, determinando um preço mais atraente inicialmente para manter os sócios em posições vantajosas. A SPAC propicia ativos mais lucrativos desde o início, o que gera uma maior arrecadação na primeira fase.

Desta maneira, empresas com alto potencial de crescimento podem encontrar em uma SPAC uma modalidade de investimento rápida, acompanhada de boas práticas em governança corporativa adotadas em tempo recorde.

A consultoria Deloitte afirma que em um IPO tradicional os preços são impactados pela volatilidade do mercado e pelo comportamento dos investidores, enquanto as SPACs fornecem mais certezas, já que as negociações ocorrem antes do fechamento da transação. 

Quais são os desafios das SPACs?

A consultoria Ernst & Young destaca os desafios que os gestores das empresas alvos estão expostos. Entre eles estão:

  • Diluição do poder de decisão dos diretores/fundadores;
  • A empresa deve estar pronta para atender exigências dos novos stakeholders;
  • Implantação de todos os requisitos formais de uma empresa pública, como conselhos, declarações contábeis, práticas de ESG e outros.

Comumente, as SPACs são associadas a uma celebridade, seja ela do mercado de capitais ou não. A SEC adverte que não é um famoso que assegura a viabilidade de um negócio, portanto líderes corporativos devem estar atentos à idoneidade do modelo de investimento.

Outro alerta está na manutenção dos valores dos ativos após o IPO. Os investidores estão autorizados a saírem do negócio seja pela desvalorização das ações ou outros motivos. Essa particularidade gera margem para questionamentos sobre uma possível bolha no ecossistema de ofertas voltadas às SPACs ao longo do tempo.

O crescimento das SPACs nos Estados Unidos

A fornecedora de dados SPAC Analytics aponta que no momento (outubro de 2021) existem 527 SPACs em busca de aquisição nos Estados Unidos, o equivalente a US$145,6 milhões. Isso mostra o ritmo de crescimento acelerado da modalidade.

O mercado americano atinge principalmente startups e fintechs, recolocando empresas iniciantes no mais alto estágio de governança corporativa e financeira. 

Por exemplo, a A Infinite Acquisition Corp., uma empresa com propósito específico de aquisição, tem entre os seus investidores Kevin Durant, uma estrela do basquete do Brooklyn Nets, além da consultoria do Credit Suisse Group AG. Essa SPAC busca US$200 milhões de recursos e perseguirá alvos que operam plataformas tecnológicas.

A expectativa é que a experiência bem-sucedida dos EUA possa ser replicada em outros países. James Palmer, chefe de mercados de capitais de ações para a Europa no Bank of America, em entrevista ao Financial Times, afirma que “banqueiros e investidores estão agora de olho em quando o fenômeno SPAC migrará para além das fronteiras americanas”.

As SPACs na América Latina e Brasil

A revista Latin American Business Stories (Labs) afirma que Alpha Capital, Valor Latitude, SoftBank e DILA Capital buscam a primeira startup latino-americana que se fundirá com uma SPAC. Na reportagem, o setor de tecnologia é apontado como a principal possibilidade. 

A brasileira XP Investimentos captou US$200 milhões em sua primeira SPAC lançada na bolsa de valores americana, a NASDAQ. O destino dos recursos está previsto para os setores de saúde, financeiros, consumo e varejo, tecnologia e educação.

Thiago Maffra, CEO da companhia, reforça que eles estão “confiantes que esta será apenas a primeira de uma série de SPACs da XP. Este é o início da jornada para nos posicionar como o maior e melhor sponsor da América Latina”. 

Como está a regulação das SPACs no mercado de capitais brasileiro?

Os órgãos reguladores movimentam a discussão sobre SPACs no mercado brasileiro. Flávia Mouta, diretora de emissores da B3, a bolsa de valores no país, afirma que é saudável trazer mais uma opção de investimento e interagimos com escritórios que assessoram essas operações nos Estados Unidos para entender a dinâmica em detalhes”.

Segundo ela, “não existe uma vedação aos SPACs na legislação brasileira, mas isso não significa que não possamos estudar e melhorar nosso arcabouço para viabilizá-las no nosso mercado. As regras do jogo têm de ficar claras aos investidores”.

Em agosto de 2021, a consultoria Alvarez & Marsal apresentou o primeiro pedido de listagem de uma SPAC na bolsa brasileira. Uma vez que não há clareza legal, a empresa fez uma oferta via instrução 476, que tem dispensa de registro na CVM, sendo direcionada a investidores profissionais que possuam mais de dez milhões de reais em investimentos financeiros.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em seu edital publicado em julho de 2021, sobre “Regulamentação das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários”, citou as SPACs, reconhecendo sua popularidade no mercado norte-americano e afirmando que elas não são vedadas pela regulamentação brasileira.

No documento, afirma o desejo “colher opiniões sobre a possibilidade de que tais ações fossem destinadas inicialmente a investidores qualificados, ou seja, aqueles com capital investido acima de 1 milhão de reais ou com certificação na área, podendo alcançar os investidores de varejo após o período de 18 meses”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (ANBIMA), motivada pela CVM e em resposta ao edital, criou um grupo de trabalho dedicado a estudar as adaptações necessárias para adoção das SPACs no mercado de ações do Brasil. 

Considerações 

As SPACs multiplicaram-se nos Estados Unidos após 2020 e, com tamanha repercussão, analistas e profissionais do mercado financeiro se questionam se uma grande bolha está por vir.

Enquanto isso no Brasil, os órgãos reguladores ainda planejam um caminho para a estrutura legal das companhias com propósito específico de aquisição. Tal contexto não impede que empresas nacionais passem a ser alvos das SPACs estrangeiras.

A vocação das startups brasileiras pode facilitar a entrada dos investimentos internacionais com a contrapartida de abertura de capital em bolsas americanas. 

Nesse sentido, empresas que vislumbram a captação de recursos das SPACs devem organizar as rotinas internas com o máximo de detalhes na governança e gestão financeira, adaptando os seus processos, controles e práticas de transparência exigidas às empresas de capital aberto.

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