Como considerar a inflação no planejamento financeiro?

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O IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, define a inflação como o nome dado ao aumento dos preços de produtos e serviços. Ela é calculada pelos índices de preços, comumente chamados de índices de inflação.

Dois dos mais importantes índices são o IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, que monitora a variação nos preços dos produtos de mercado para o consumidor final; e o INPC, Índice Nacional de Preços ao Consumidor, que calcula a variação mensal de uma cesta de produtos e serviços consumidos pelas famílias.

 Conforme publicado pela Agência IBGE, a inflação em 2022 foi de 5,79%, sendo que em dezembro ela veio acima do esperado pelo mercado: o consenso era de 0,49%, mas o IPCA teve alta de 0,62%. O acumulado em 12 meses foi o menor desde março de 2021.

Em contrapartida, 2023 já se anuncia como um ano desafiador e as projeções atualizadas do boletim Focus e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sugerem atenção redobrada de gestores e líderes de finanças.


Panorama e expectativas para inflação

A Carta de Conjuntura, boletim trimestral produzido pela Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, em sua visão geral, aborda aspectos relevantes sobre a inflação para 2023, dentre eles:

1. O quadro mundial continua piorando, com inflação alta, elevação de juros e desaquecimento do nível de atividade.

2. No Brasil, sob o impacto da política monetária apertada, o ritmo de expansão da atividade econômica em outubro e novembro de 2022 já dá sinais de arrefecimento na indústria e nos serviços.

3. A taxa prevista para o IPCA e INPC para este ano é de 4,9%. 

 

4. O mercado de trabalho, por sua vez, segue em trajetória positiva, marcado pela queda da taxa de desocupação e, mais recentemente, pela recuperação dos rendimentos.

5. O crescimento da massa salarial real também corrobora o quadro positivo do mercado de trabalho. 

6. No mercado de crédito, enquanto a inadimplência e o comprometimento de renda preocupam, o volume de concessões apresenta acomodação. 

7. A taxa média de juros de operações é outro fator que limita o mercado de crédito, encontrando-se em sua máxima dos últimos anos, embora, no último trimestre de 2022, tenha havido desaceleração no seu crescimento.

8. As contas do setor externo apresentaram comportamento positivo, apesar das incertezas e turbulências externas e internas. As contas públicas do governo central fecharam 2022 com resultados positivos, quando comparadas a 2021.

9. Para 2023, a discussão recente tem se concentrado nas mudanças a serem realizadas no orçamento federal e no arcabouço de regras fiscais, visando acomodar os aumentos de despesas desejados pelo novo governo. 

10. A previsão para a expansão do PIB em 2023 foi revisada de 1,6% para 1,4% e continua acima das expectativas de mercado, que giram em torno de 0,7%. Tal divergência se explica fundamentalmente pela previsão mais alta de crescimento do setor agropecuário.

O Observatório FIESC, plataforma de inteligência para o setor da indústria, publicou o Boletim de Expectativas de Mercado, que compila dados atualizados sobre a inflação em janeiro de 2023 e outros indicadores, entre eles:

Inflação – Na terceira semana de janeiro, as expectativas para o IPCA do boletim Focus tiveram aumento pela sexta semana consecutiva, passando de 5,39% para 5,48%. Isso significa que o mercado encontra-se menos confiante de que o Bacen conseguirá cumprir a meta de inflação estabelecida para este ano, que é de 3,25%, com limite máximo em 4,75%.

Para 2024, o índice também voltou a subir, ficando em 3,84%. Esse movimento está associado às sinalizações da política econômica do governo federal na última semana.

IPCA 15 – O repórter de economia Daniel Silveira, noticiou no Portal G1 que o IPCA 15 (considerado a prévia da inflação oficial do país) acelerou na comparação com dezembro pressionado, principalmente, por saúde e cuidados pessoais e alimentação e bebidas, ficando na casa dos 0,55% em janeiro.

IGP 10 – Segundo a FGV, o Índice Geral de Preços 10 (IGP 10) alcançou variação 0,05% em janeiro de 2023. Com esse resultado, o índice acumula alta de 4,27% em 12 meses. 

SELIC – Neste ano, estima-se um patamar de 11,75% a.a e 9,50% a.a. em 2024.

Dívida líquida do setor público – As expectativas para 2023 recuaram pela segunda semana consecutiva, migrando de 61,85% para 61,60% do PIB. Também houve recuo nas estimativas para os próximos três anos.

O último relatório da XP Investimentos (Brasil Macro Mensal) prevê que a inflação de 2023 será em grande parte impulsionada pelo avanço de preços administrados, sobretudo pelos aumentos de gasolina. Já entre os preços livres, a desinflação de alimentos e bens industriais compensarão parcialmente a inflação de serviços ainda elevada.

O estudo ainda aponta uma tendência de leve desaceleração da inflação até junho, sendo que após esse período os índices voltarão a subir até fecharmos o ano com uma inflação acima do teto para 2023.

Como a inflação impacta o planejamento financeiro

Gestores buscam desenvolver estratégias para reduzir o impacto de futuros prejuízos, tendo no planejamento e na gestão financeira um dos seus principais alicerces.

Keith Suchodolski, CFO do Banco Kearny, em artigo para o portal de finanças SF Magazine, afirma que pandemia do Covid-19 “ensinou” às organizações a capacidade de planejar estrategicamente e ajustar o curso das suas ações conforme as mudanças globais.

Para tanto, analisar o cenário atual e ficar atento às perspectivas econômicas é de particular importância para os gestores financeiros, sendo que estes executivos normalmente operam com uma estratégia voltada para o futuro.

Além disso, o executivo menciona que qualquer plano estratégico precisa enfatizar a avaliação de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, por meio da ferramenta de análise estratégica SWOT. E uma inflação elevada é considerada uma ameaça às organizações.

A ACSP (Associação Comercial de São Paulo) explica como a inflação impacta no planejamento financeiro das empresas. Segundo a entidade, existem basicamente duas causas para o aumento dos preços: oferta e demanda.

Se os insumos necessários para certa produção ficam mais caros, por exemplo, isso acarreta em um aumento da inflação que impacta diretamente as empresas. Além disso, o excesso de procura por algum produto ou serviço também aumenta os preços.

Com a inflação mais alta, os custos de matéria-prima também tendem a subir, elevando os gastos com a fabricação de produtos e fornecedores, gerando uma onda de impacto sistêmico.

De modo geral, três segmentos de negócios são mais impactados:

Pequenos negócios – Segmento mais sensível às variações dos preços. Isso porque o aumento dos custos de produção e manutenção podem diminuir significativamente o volume de vendas. 

Produtos e serviços não essenciais – Este segmento também sofre com a alta inflação, uma vez que as pessoas passam a priorizar itens básicos ao invés daqueles não essenciais. 

Comércio de importados – São afetados diretamente pela desvalorização da moeda, que reflete no bolso dos clientes também de forma direta.

Martin Kirsten, colunista do The Capital Advisor, site especializado em finanças, afirmou que a recente escalada da inflação no País travou os planos de expansão das empresas. Sobre este fenômeno, separamos alguns pontos importantes citados pelo autor que impactam diretamente no planejamento financeiro:

– A inflação não permitiu que as empresas tivessem previsão orçamentária sobre a  matéria-prima e o frete no mês seguinte.

– Empresas tiveram que engavetar investimentos importantes para a melhoria do processo produtivo, bem como mudar modelos de vendas e reajustar os preços mais vezes durante o ano, para não comprometer suas margens.

– Os preços altos comprometem a renda da população. Consequentemente, o consumo cai e as vendas das empresas diminuem.

– Com faturamento menor, as companhias não têm capacidade para investir: seja em infraestrutura, estoque, pessoal ou aplicações financeiras. A consequência disso é a redução da mão de obra, o que eleva o desemprego.

O portal de conteúdos financeiros InfoMoney publicou um Guia sobre inflação e seus impactos. Do conteúdo, destacamos um exemplo prático sobre rendimento frente à inflação.

O rendimento real ou a rentabilidade real é aquela obtida em uma aplicação, descontada a inflação. Por exemplo, se uma empresa optou por um investimento que resultou no retorno de 10% ao ano e a inflação no período foi de 2% ao ano, a rentabilidade real foi de 8%.

Todavia, se determinado investimento teve esse mesmo rendimento, de 10% ao ano, em um período em que a inflação foi de 11%, a rentabilidade real foi negativa: isto é, mesmo rendendo alguma coisa, o investidor “perdeu” dinheiro. 

Como se preparar para os efeitos da inflação? 

Até algum tempo atrás, era comum as empresas basearem suas decisões somente em informações financeiras, mas em um contexto cada vez mais globalizado e tecnológico, outros critérios precisam ser considerados pelos gestores.

Um deles é a possibilidade de prever diferentes cenários para se planejar e conseguir reagir rapidamente às novidades, por meio da modelagem financeira, por exemplo.

Segundo o Corporate Finance Institute, a modelagem financeira é um processo usado para prever o desempenho financeiro de uma empresa no futuro, baseando-se nas suas demonstrações anteriores e suposições sobre os próximos períodos e, assim, avaliar seus riscos e retornos. Pode ser feita através de ferramentas específicas ou planilhas.

Por exemplo, para a renegociação com fornecedores, a modelagem pode considerar o prazo do contrato e diferentes premissas, como metas de vendas e os juros. Assim é possível prever qual o melhor momento para a nova data de pagamento e quais argumentos podem ser usados para o convencimento do fornecedor.

Cabe destacar a importância de considerar a maior variedade de cenários possíveis, desde o mais pessimista, moderado ou otimista. Assim, eventos como inflação e taxa de juros elevada, que afetam diretamente a produção de uma empresa, podem ser previstos e mitigados.

Segundo a Redatora Vitória Freitas, em artigo para o Ecommerce na Prática, empresa de educação à distância voltada ao empreendedorismo, a inflação gera efeitos na gestão das empresas, mas que precisam ter seu impacto financeiro compensado:

Repasse de preços – Tendo em vista o aumento dos custos de fabricação de produtos, muitas empresas não têm outra alternativa senão repassar esses preços para seus consumidores.

Essa é uma estratégia que precisa ser bem planejada pois blinda o fluxo de caixa da empresa dessas variações mas, ao mesmo tempo, pode representar a perda de alguns clientes. Por isso, antes de implementar, leve em consideração os seus concorrentes, o seu nicho de mercado e a força que a sua marca tem no segmento.

Reduza custos e controle despesas – Para funcionar de forma saudável, uma empresa precisa ter os seus custos fixos e variáveis bem controlados. Defina, por exemplo, quais os elementos do seu negócio que precisam de constante reinvestimento e como esse processo pode ser otimizado. 

Também é importante que você mapeie quais desses investimentos estão ligados à geração de receita. Dessa forma, você poderá decidir quais os custos que valem a pena e quais podem ser cortados. 

Aumente o giro do negócio Outro ponto que precisa de atenção é o giro da empresa. E uma das alternativas nesse caso é variar o mix de produtos. Isso pode ajudar a aumentar a margem de lucro e elevar o volume de vendas totais.  

Cuidado ao retirar o pró-labore Por último, mas não menos importante: a retirada do pró-labore também pode ser impactada pela inflação. 

Muitos empreendedores, sobretudo no início das operações, costumam medir a retirada dessa quantia de acordo com o faturamento, sem considerar os custos envolvidos no gerenciamento do negócio. 

O resultado disso é uma empresa sem fôlego para crescer, que fica ainda mais suscetível às variações inflacionárias.

O coordenador de Educação e Orientação Financeira do SEBRAE, Ricardo Abreu, em artigo, levanta diversos cuidados importantes para o empreendedor, dos quais citamos alguns pontos-chave que podem ajudar no combate aos efeitos da inflação.

  1. Preveja o cenário

Primeiramente, a empresa deve fazer um levantamento das despesas previstas para os próximos três meses, separando os valores de acordo com o tipo de despesa.

  1. Analise suas despesas

Ao conhecer as despesas a serem pagas nos próximos meses, o empreendedor encontrará maior facilidade para definir as ações corretivas, priorizando as despesas com maior impacto nos negócios e que sejam passíveis de negociação. 

  1. Ajuste os gastos

Com uma possível redução no faturamento, o empreendedor deve ajustar seus custos de acordo com essa situação econômica, tomando as seguintes providências: 

 – Negocie com fornecedores um aumento nos prazos de pagamento dos seus compromissos;

– Havendo dívidas, procure renegociar visando também aumentar o prazo de pagamento com uma taxa de juros compatível à sua realidade;

– Evite despesas que não sejam extremamente necessárias à continuidade dos negócios, pois elas podem afetar a sua liquidez, já comprometidas pela alta de preços.

Já o portal de orientações financeiras Itaú Meu Negócio, em parceria com o site Pequenas Empresas & Grandes Negócios, ensina como reduzir os custos de uma empresa diante da inflação. Destacamos alguns pontos importantes:

Reveja os custos fixos É importante identificar desperdícios e conscientizar equipes sobre o uso responsável de recursos. Avalie o que é realmente indispensável para a operação e tente levantar pelo menos três orçamentos diferentes para cada serviço contratado. 

Avalie os custos variáveis Analise as despesas atreladas diretamente ao aumento de produção ou receita e calcule a porcentagem de vendas que elas representam. Por exemplo: a expansão de 20% da produção pode gerar um acréscimo significativo de despesas com energia e contratação de mão de obra temporária. Contudo, tais valores devem ser inferiores às vendas resultantes dos investimentos.

Reorganize o estoque Levante o histórico dos últimos 12 meses e liquide produtos que não registraram vendas significativas durante o período. As vantagens de um estoque enxuto incluem, na maioria dos casos, um custo significativamente menor.

Faça um orçamento mensal Este planejamento pode ser feito em uma planilha simples ou através de um software de gestão contábil que reúna todas as entradas e saídas da empresa durante um ciclo de 30 dias. A partir daí, pode-se identificar os gargalos mais urgentes e fazer os ajustes necessários em um espaço curto de tempo.

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